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Agenda do Poder - Sofia Miranda (13/12/2025)

Inflação mais baixa e emprego aquecido antecipam as compras de Natal no Rio

Bacalhau, vinhos e muita correria inauguram a temporada de compras pela ceia natalina

Com o relógio correndo no último mês de 2025, o carioca também antecipou a compra dos itens para as festas de fim de ano. No segundo andar do Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara (Cadeg), em Benfica, na Zona Norte do Rio, o movimento cresce antes mesmo da segunda quinzena de dezembro. A inflação mais comportada, o emprego aquecido e o consumo em alta sustentam as bases das expectativas para este Natal.

Lojistas e especialistas ouvidos pelo Agenda do Poder apontam um mesmo cenário: o início deste ano supera 2024 em quesitos específicos. No mercadão, os comerciantes afirmam que o volume de compras no início de dezembro já é maior do que o registrado ano passado.


Consumo aquecido

Parte desse impulso vem da primeira parcela do 13º salário, depositada no fim de novembro, e também do Festival de Bacalhau, que aquece o movimento anual do mercado.

“As pessoas vieram ver bacalhau, bebidas, de modo geral, vinhos especiais. Pegamos o mês de novembro já aquecido pelo movimento do festival, que é o maior que tem aqui no Cadeg”, diz Davidson Mariano, de 43 anos, gerente da Arte dos Vinhos.

A pesquisa de preços e a demanda acelerada se alinham ao cenário econômico, explica o professor de Economia do Ibmec-RJ, Gilberto Braga. Vale lembrar que a taxa de desemprego no estado do Rio de Janeiro tem mostrado melhoras significativas em 2025, caindo para cerca de 7,5% no 3º trimestre do ano, segundo dados da PNAD Contínua.

“A expectativa é de um crescimento moderado, justificado pelo fato de que tivemos um arrefecimento nos preços de alguns alimentos, pela inflação perdendo força, pelo emprego aquecido e pelo consumo também aquecido”, complementa o economista.

É o que mostrou o resultado da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), feita pelo Instituto de Pesquisa e Geografia Brasileira (IBGE), em outubro. O mês registrou 0,5% de crescimento, acima das expectativas do mercado.

“Foi o primeiro resultado expressivo e que mostra uma certa antecipação desse movimento de final de ano, com vários órgãos e setores do comércio fazendo já liquidações antecipadas de Black Friday, e muita gente usando o cartão de crédito para jogar na data do vencimento junto com o 13º de novembro”, afirma Gilberto.

Parte da pressão sobre itens tradicionais depende do câmbio, especialmente por serem produtos importados. Isso porque a ceia brasileira inclui ingredientes pagos em dólar.


A procura por bacalhau

Neste caso, o custo do câmbio recai sobre o preço final. O bacalhau tipo Gadus morhua aparece entre R$ 150 e R$ 200 nas redes de supermercado, o que representa aumento de 25% a 30% em relação a dezembro de 2024. “O mesmo vale para nozes, castanhas, avelãs e cerejas”, aponta o professor.

No Cadeg, o sócio da Tuta Salgados, Márcio Abreu, de 59 anos, detalha que a procura abrange tanto o bacalhau dessalgado, que elimina etapas do preparo, quanto o desfiado, usado em saladas, arrozes e pratos rápidos.

“É bacana porque já existe o bacalhau dessalgado, sem pele e sem espinha, que é muito fácil. Em três minutos está pronto. É ideal para quem não gosta de dessalgar o bacalhau, é excelente até mesmo para o Natal, fica maravilhoso”.

Apesar do pouco tempo de loja no reduto marcado pela tradição portuguesa, Mário enumera as possibilidades do peixe.

Sendo o Gadus morhua mais caro e valorizado, ele explica que é possível preparar de oito a dez pratos, entre saladas, purês de grão-de-bico, feijão-fradinho, empadões, quiches e arrozes.

“Sobre as diferenças, as pessoas perguntam: ‘Ah, mas o sabor é igual?’. O sabor geralmente é parecido, e o que muda é a textura, de onde ele veio e como foi salgado. Alguns têm mais fibra, outros menos”, destaca o vendedor.

Os valores variam. Há opções a R$ 59 e outras que chegam a R$ 260. No Mercado Nordestino, o gerente Wesley de Andrade, de 27 anos, concorda sobre a intensidade do movimento. A loja oferece grãos e outros itens da ceia, mas o bacalhau é o que pede reforço no estoque.

“Com o bacalhau, a reposição é toda hora. A gente desce com uma quantidade grande, coloca na bancada e, quando vê, já sumiu tudo”, relata ele, no intervalo curto da rotina.

O deslocamento entre oferta e demanda se acentua quando a proximidade das festas pressiona fornecedores e comerciantes. A chegada de produtos importados, o fluxo maior de clientes e a necessidade de reposição rápida criam uma operação sensível a prazos e logística.

Mesmo itens populares dependem de etapas específicas de manuseio e de transporte. É nesse contexto que o comportamento dos preços se define e explica a percepção de aumento registrada pelos consumidores.

“Os custos relacionados ao transporte, armazenagem e manuseio entram diretamente na composição do preço final e podem representar parte significativa do total”, explica o professor da Faculdade de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal Fluminense (UFF), Lélio Galdino Rosa.


Elas vão às compras

No pavilhão do Cadeg, a busca se mistura ao cheiro dos defumados, das folhas frescas e ao odor marinho e quase amoniacal do bacalhau, protagonista absoluto do período. A farmacêutica Thailla da Paixão, de 35 anos, saiu de Jacarepaguá com as tias para garantir os itens mais tradicionais da ceia.

“Nós pesquisamos pela internet alguns preços e viemos ver aqui se estava batendo. E está tudo certinho. Os preços aqui estão muito bons”, diz ela, que aproveitou para garantir também o azeite e o vinho.

Entre os rótulos mais procurados estão os argentinos, como La Linda e Catena Zapata, além dos portugueses, que carregam a tradição do mercado. Chilenos também ficam entre os preferidos.

“Os vinhos, as pessoas usam para reunir a família no Natal ou até antes, nas confraternizações de empresa. Gostam de dar um presente um uísque, um conhaque, e depois, em seguida, vêm os espumantes e as bebidas destiladas”, conta o gerente Davidson Mariano.


Os restaurantes que salvam algumas ceias

Na outra ponta do setor alimentício, restaurantes e casas especializadas lidam com o período de forma própria. Segundo Mariana Rezende, conselheira do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SindRio), as encomendas antecipadas alteram completamente o ritmo das cozinhas.

“A gente aquece muito o mercado de fim de ano com as encomendas, e isso acontece bastante no setor. As grandes confraternizações também ajudam a aumentar o faturamento das casas nesse período”, afirma.

O comportamento e as opções no cardápio diferem entre Natal e Ano Novo. “O bacalhau é o carro-chefe das festas, assim como o bolinho de bacalhau, que vende toneladas nessa época”, diz Mariana. Pernil e lombinho também seguem como pratos centrais da mesa carioca.

Os dois, inclusive, são um dos alimentos que ficaram mais caros no jantar de natal em 2025. Segundo uma pesquisa da VR, o lombo suíno, por exemplo, aumentou 18% em comparação ao último ano. As aves festivas, como Chester e Fiesta, tiveram alta de 16,9%.

A dinâmica do consumo também se ajusta ao território. Bairros dependentes do público executivo, como o Centro, tendem a ter queda de movimento.

“As regiões que dependem mais do público executivo, como o Centro, sentem menor impacto porque ficam esvaziadas. Já as que não dependem tanto desse público costumam ter resultados mais positivos no fim de ano e até a última sexta-feira do período”. Mariana Rezende, conselheira do SindRio

O avanço dos aplicativos de entrega aparece como ponto-chave, e ajuda tanto os consumidores desesperados, quanto os empresários que dependem do fluxo.

O iFood, por exemplo, encerrou 2024 com cerca de 380 mil estabelecimentos parceiros, ampliando o acesso às ceias prontas.

“Antes era o peru, a farofa, o salpicão, o tradicional. Ao mesmo tempo, não é que os clássicos tenham desaparecido; eles foram gourmetizados. A rabanada talvez seja o melhor símbolo disso. Continua obrigatória na mesa de Natal, mas hoje aparece em versões com doce de leite, creme de avelã, vinho do Porto, caldas elaboradas”, pontua o professor Lélio.

As adaptações contemplam também restrições alimentares. Panetones sem açúcar, espumantes sem álcool e versões sem glúten aparecem entre as encomendas.

“Já não se fala em uma ceia para todos se não houver opções para vegetarianos, veganos, celíacos e intolerantes à lactose”, acrescenta o professor.

Comparando o Rio com outras regiões do país, Lélio aponta as especificidades de cada território.

No Rio de Janeiro, há forte protagonismo dos frutos do mar, do bacalhau, da rabanada e dos espumantes, em uma influência luso-carioca.

No Nordeste, aparecem pratos regionais como bobó, carne de sol, pernil bem temperado, arroz com castanhas e frutas tropicais”, lembra Galdino.

Já no Sul e Sudeste interiorano, há influência da culinária europeia, com foco nas carnes suínas, embutidos, assados de longa cocção e panetones artesanais.


O preço médio da ceia

O preço médio da ceia fica entre R$ 300 e R$ 320 na ceia, mas pode chegar a R$ 900 dependendo do número de pessoas. Atualmente, muitas famílias se dividem nos pratos.

“Existe itens de substituição e também uma mudança cultural entre famílias mais recentes: em vez de uma mesa farta feita por um único anfitrião, há divisão entre os integrantes da família”, afirma o economista Gilberto Braga.

A merendeira Elenice Fátima, 66 anos, ficou encarregada de levar o pudim esse ano. Já foi compras dominada pelo espírito natalino:

“Estou animando (a família), é uma época em que a gente se diverte muito. Estamos apostando nas fichas, vai dar tudo certo”, finaliza.


Opções de pratos

Ficou na dúvida do que fazer esse ano? Agenda do Poder preparou três opções de pratos tradicionais e inovadores que podem compor sua mesa esse ano, sugeridas pelo professor e chefe Lélio Galdino.

Peru assado recheado: Ave temperada com manteiga e ervas, recheada com farofa e frutas secas. Acompanha arroz à grega e saladas.

Tender com cravo e molho de laranja ou mel: Um dos itens mais procurados. Pode ser servido quente ou frio.


Rabanada brûlée com creme de Laranja

Versão moderna da rabanada, com açúcar queimado e creme cítrico.


Pratos inovadores

Bacalhau confitado com pupunha e Castanha-do-Pará: Versão leve da bacalhoada, o peixe é confitado no azeite e servido com palmito pupunha e crosta de castanhas.


Porqueta brasileira com farofa de banana da terra e baru

A porchetta italiana ganhou uma versão “abrasileirada” com especiarias nacionais, banana caramelizada e castanha de baru. Vem sendo tendência em ceias prontas de restaurantes premium.

Tiramisù de panetone com creme de laranja e cacau: O tiramisù tropicalizado faz muito sucesso em restaurantes do Rio e SP.