O Relatório de Estabilidade Financeira, divulgado nesta terça-feira pelo Banco Central, é publicado a cada seis meses e pretende responder se está tudo bem com os bancos, com as contas públicas, quais são os pontos problemáticos e como a instituição planeja lidar com eles. O BC conversa com a sociedade por relatórios. No Relatório de Inflação, por exemplo, a autoridade monetária dá um panorama da conjuntura econômica e a projeção futura para a taxa.
Apesar de fazer uma análise de dados do segundo semestre do ano passado, o relatório divulgado nesta terça mostra que o Banco Central identificou corretamente para onde os ventos levariam a economia e apresenta de forma clara e precisa os problemas que estão sendo enfrentados neste momento. O primeiro destaque apresentado pelo documento é o ambiente externo desafiador, diante da política comercial americana.
O BC vislumbrou, com a eleição de Donald Trump, o aumento do nível de incertezas e de dificuldades. Trump completa hoje cem dias de governo, e como mostra a coluna publicada nesta terça-feira, o impacto da sua política tem sido pior do que se podia supor. O tarifaço adotado pelos EUA promoveu no último mês uma crise global numa dimensão maior do que se projetava no fim do ano passado, apesar de já serem conhecidas as intenções protecionistas de Trump. A guerra comercial aprofundou a estimativa de desaceleração da economia global e brasileira e, por consequência, a queda na projeção de arrecadação, piorando um quadro que já era complicado - como mostrou o cenário traçado pela Lei de Diretrizes Orçamentária para 2026, que evidenciou o estrangulamento orçamentário no Brasil.
Na avaliação da economista Juliana Inhasz, professora do Insper, o Banco Central deixa clara a percepção de deterioração fiscal. O relatório afirma que a já conhecida dificuldade orçamentária brasileira fica agravada pela desaceleração da economia, esperada diante do choque de juros iniciado no segundo semestre do ano passado, e de mudanças que previu na situação internacional.
- E esse é um ponto importante, porque essa deterioração do fiscal se agrava, piora a economia como um todo. Então, tem uma expectativa de eventualmente haver redução de renda, economia crescendo menos, inflação mais alta, mais resiliente. O que fica claro é que hoje estamos estáveis, mas se vislumbra uma turbulência vindo. O BC partilha a responsabilidade com o governo, como dissesse: "olha sozinho, eu não faço milagre, o equilíbrio fiscal é importante, enquanto não houver equilíbrio fiscal, vão continuar enxergando essas turbulências". Mas reforça que está se preparando para a turbulência. Se ela vier, fará tudo para diminuir o impacto. Mas há um tom de um certo pessimismo.
Gilberto Braga, professor do Ibmec, chama a atenção ainda para o fato do documento destacar os riscos climáticos como um fator que impactará os próximos ciclos econômicos. O relatório sugere, no entanto, que o impacto será menor do que no passado.
O relatório indica ainda que o sistema financeiro, ou seja, os bancos, não apresentam riscos relevantes. Apesar das condições financeiras restritivas, ou seja, dos juros elevados que fazem o crédito ficar mais caro e pode elevar a inadimplência, o sistema financeiro vai bem, obrigada. Não entra nessa análise o imbróglio do Banco Master, que tem uma exposição enorme de suas carteiras ao risco. A proposta de compra do Master pelo BRB, banco estatal, vem sendo tratada com todo o cuidado pelo Banco Central e tem sido alvo inclusive do Congresso. O Senado convidou o presidente dos dois bancos a se explicarem.
Apesar disso, a autoridade monetária avalia que nada ameaça a estabilidade financeira do país. O que o relatório sinaliza que o Banco Central já estava antevendo no fim de 2024 o que viria pela frente e traçou o cenário correto.