Na noite da última quarta-feira (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou, em pronunciamento para a rede nacional de TV e rádio, um pacote de medidas para cortar despesas do Governo Federal. A proposta inclui mudanças em tópicos como salário mínimo, imposto de renda e taxação dos mais ricos. O plano de cortes, que ainda vai passar pelo Congresso, prevê uma economia de R$ 70 bilhões, nos próximos dois anos, aos cofres públicos.
Em conversa com O São Gonçalo, o economista Gilberto Braga, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), explica que a revisão de despesas do Governo é uma medida necessária e que as principais questões referentes ao pacote envolve menos o corte em si e mais a decisão de “onde cortar, o que cortar, de quem cortar e como cortar”.
“O Governo Federal não é diferente da casa de qualquer cidadão. Todo mundo sabe que você precisa ter um orçamento e precisa adequar os seus gastos ao que você ganha de dinheiro todo mês. No caso do Governo, essa conta está desequilibrada, está ‘no vermelho’, e é necessário fazer esse balanceamento. Como a capacidade de aumentar o dinheiro que entra é menor, você tem que, do outro lado, cortar a despesa para fazer essa balança ficar totalmente alinhada”, explica o economista.
A forma como o pacote mexe, na prática, com o bolso do brasileiro varia de acordo com cada medida. A que afeta mais cidadãos é a mudança no padrão de reajuste para o salário mínimo. “Esse tipo de medida tem a capacidade de afetar basicamente todos os brasileiros que, de alguma maneira, são remunerados, têm contas ou alguma forma de contratação que é vinculada ao salário”, destaca Gilberto.
O anúncio feito por Haddad prevê que o valor do salário passando por reajustes regulares, mas que fique sujeito ao cumprimento das metas de orçamento do Governo.
“Se não houver espaço para dar aumento, o aumento fica limitado à inflação passada. Se houver espaço, esse salário vai crescer e esse espaço é dado pelo crescimento do PIB - ou seja, pelo quanto a economia crescer. De um ano para outro, o trabalhador vai ter, no mínimo, o reajuste do salário de acordo com a inflação, na pior hipótese, e, se a economia permitir, o salário mínimo vai ter um reajuste maior”, esclarece o especialista.
Outra mudança prevista pelo texto envolve os critérios para receber benefícios como o abono salarial e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O abono - que hoje é direito de quem recebe até dois salários mínimos (R$ 2.824) - vai passar a ser prestado apenas para quem recebe até R$ 2.640. Esse valor deve ser corrigido com o passar dos anos pela inflação até chegar ao valor fixo de um salário mínimo e meio.
Já o BPC, oferecido para idosos e pessoas com deficiência, deve passar a ter critérios mais rígidos para acesso. As rendas de coabitantes de beneficiário e de outros benefícios passam a contar para o acesso. Também foi determinada a atualização de cadastros desatualizados em até 24 meses.
Junto das medidas para cortar gastos, Haddad também confirmou um plano de reforma no imposto de renda para 2026, que inclui o aumento no número de contribuintes com direito à isenção. Caso aprovada, a medida prevê que pessoas físicas com renda inferior a R$5 mil fiquem isentas. Atualmente, somente quem recebe até dois salários mínimos têm isenção no Imposto de Renda.
Ao mesmo tempo, para financiar essa isenção, a taxação sobre a renda de contribuintes mais ricos vai aumentar. “Aquelas pessoas que ganham mais de 50 mil reais por mês terão que, progressivamente, ir contribuindo com mais. Essa contribuição vai ser de 10% adicional - fora o que já vem pagando das percepções financeiras que ultrapassarem 50 mil reais todo mês. Isso vai somar não apenas os salários, mas outros ganhos financeiros: aluguéis, dividendos e qualquer outra percepção”, esclarece Gilberto.
Essas mudanças no imposto de renda foram recebidas com animosidade no mercado financeiro. Após o anúncio do pacote, o valor do dólar subiu e, nesta sexta (29), chegou a bater recorde de alta nominal, em R$ 6,11. A moeda americana fechou seu terceiro dia seguido em R$ 6, com uma alta de 3,21% na semana.
“O mercado reagiu mal às propostas do pacote de corte de gastos porque entendeu que elas são tímidas. O mercado aposta numa proposta que seja estrutural e de longo prazo”, detalha o especialista. Para ele, o mercado não acredita que a previsão de R$ 70 bilhões em economia seja suficiente, especialmente levando em conta a isenção do imposto, já que o mercado “não acredita que o Governo seja capaz de zerar essa conta do imposto de renda”.
“Isso vai manter os juros altos, a inflação elevada e o dólar também bastante apreciado. Dólar caro tem a capacidade de retroalimentar a inflação, na medida em que boa parte dos insumos são comprados no exterior”, afirma Gilberto.
Agora, o pacote de cortes de gastos vai para Brasília e tramita no Congresso Nacional, com as medidas sujeitas a alterações e ajustes.