Conversamos sobre o conceito de dominância fiscal com Gilberto Braga, economista e professor do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais).
O que é dominância fiscal?
A dominância fiscal é quando um governo tem um processo contínuo de déficits fiscais que tiram a margem da política monetária e econômica do próprio governo. Isso faz com que a política monetária fique limitada à necessidade de financiamento do déficit do próprio governo, já que a necessidade de financiamento da dívida engessa as possibilidades de se fazer uma política econômica mais alta.
Teoricamente, um governo deveria ter um equilíbrio fiscal, mas, recentemente, o Brasil adotou o Arcabouço Fiscal, onde o governo não tem que, necessariamente, equilibrar as suas contas. Ele tem o poder de fechar um balanço com déficit, desde que ele esteja dentro de uma determinada regra de expansão e controle.
Com essa regra, o governo, ao invés de fazer cortes estruturais de despesas, faz contenções de determinadas despesas para fechar um balanço. Como o atual governo tem uma política de gastos públicos, para que ele financie o déficit, ele tem que vender dívida pública, mas para fazer isso, os juros têm que ser mantidos elevados. A alternativa seria manter os juros mais baixos, mas quando isso acontece, corre-se o risco de se ter uma inflação muito elevada em decorrência do consumo aquecido na economia.
Isso faz com que se fique entre dois extremos: a elevação dos juros, que é o que tem sido feito pelo Banco Central, com uma política para financiar o governo e tentar conter a inflação, ou uma política monetária mais frouxa, com menos juros, mas com uma inflação mais livre. Cabe destacar que nós sabemos os efeitos da inflação para a sociedade.
Nessa queda de braço, nós temos o governo pressionando por juros mais baixos, ao mesmo tempo em que o Banco Central pressiona por juros mais elevados para controlar a inflação. Ocorre que os juros mais elevados inibem o investimento produtivo e permitem ganhos especulativos no mercado financeiro, o que faz alegria de uma série de bancos, mas controlam a inflação, enquanto os juros mais contidos permitem uma inflação elevada, o que gera desconfiança econômica entre investidores e consumidores, além dos efeitos maléficos da inflação corroendo o poder de compra da população.
O país está caminhando para um cenário de dominância fiscal?
Neste momento, sim, pois não há certeza que o pacote de contenção de gastos proposto pelo governo vai alcançar os efeitos necessários. Ele aponta na direção correta, mas as medidas serão implementadas de maneira gradual e demandam tempo para surtirem efeitos. Além disso, como o ajuste requer a análise do Congresso, será preciso fazer um jogo político muito grande para aprová-lo.
O que os economistas esperavam é que esse pacote fosse mais sólido e que garantisse um prognóstico de equilíbrio. Contudo, parte dele foi contraposta pelo possível alívio na tabela do Imposto de Renda que pode ocorrer daqui a dois anos, o que ofuscou a sua divulgação, sendo que essa questão come metade da economia que será gerada pelo pacote de corte de gastos. Além disso, existem muitas dúvidas se o aumento da carga tributária para os que efetivamente ganham mais vai gerar o efeito que o governo espera.
Pela sua análise, o que aconteceu com as contas públicas no atual governo?
Em termos econômicos, as surpresas são mais positivas do que negativas, já que a economia vem reagindo bem à política do governo, mas boa parte disso tem muito a ver com a responsabilidade monetária do Banco Central, que fez os ajustes de juros nos momentos adequados, apesar do discurso contrário de dentro do governo. Não da equipe econômica, mas de outras áreas.
O próprio presidente da República fala que determinadas despesas não são despesas, como educação e saúde, e sim investimentos. Embora esses jargões políticos, que são antigos e muito desgastados, possam ter um apelo popular bastante forte, eles só são efetivamente verdadeiros se forem acompanhados por responsabilidade fiscal. Ou seja, investir em educação e saúde são opções bastante inteligentes, mas é preciso ter dinheiro para fazer isso, pois não se pode fazer a qualquer custo. Essa saia-justa, esse equilíbrio entre a cruz e a caldeirinha, é o que caracteriza o atual governo, embora ele tenha se beneficiado de várias situações econômicas.
Existem dúvidas com relação ao cumprimento das metas fiscais, sendo que essas dúvidas só serão dissipadas ao longo de 2025, com o que efetivamente for aprovado pelo Congresso Nacional.
Como você tem visto a evolução da dívida pública?
A evolução pode ser considerada perigosa, mas ela está dentro de um determinado padrão que ainda é considerado administrável, se houver responsabilidade fiscal. O que não pode haver é a criação de subterfúgios o tempo todo. Por exemplo, da pandemia para cá, nós tivemos uma série de ajudas sociais que saíram dessa conta. Recentemente, nós tivemos o pagamento de precatórios e de transferências de caráter social. Quando olhamos a dívida contabilizada para fins formais, ela, provavelmente, vai fechar equilibrada dentro da regra que foi definida, mas quando olhamos a dívida real, ela é muito maior do que a dívida contábil para fins de cumprimento formal da meta.
O problema é que a cada momento nós temos situações não previstas que extrapolam esse controle. Por exemplo, além da pandemia, nós tivemos as enchentes do Rio Grande do Sul e as queimadas. Como essas são questões emergenciais, elas possuem regras que saem do controle de gastos. Efetivamente, elas representam saídas legítimas, importantes e necessárias, mas que expõem a fragilidade dessa discussão.
Nas últimas décadas, o Brasil chegou a passar por um período de dominância fiscal?
Não que eu me recorde. No período da Dilma, o país talvez tenha chegado a uma situação como a descrita nos conceitos de dominância fiscal, já que em determinado momento, para se controlar a inflação, ante a desconfiança do mercado, foi preciso subir os juros a mais de 20%, mas quando isso aconteceu, o país não estava com o atual nível de dívida pública.
Então seria algo inédito na história econômica do Brasil?
Na minha visão, sim.
Considerando a nossa conversa, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
A dominância fiscal é um conceito que vai crescer nos próximos meses. Ele tende a ficar candente na academia, nas empresas e nos bancos de investimentos. Esse olhar mais cirúrgico com relação aos números vai dominar o ano de 2025, sobretudo porque ainda não se sabe exatamente a regra definitiva do pacote de corte de gastos e o resultado que ele vai trazer para o país. Muito provavelmente, cada proposta, declaração de políticos e resultado de dado econômico, vai gerar uma grande volatilidade no mercado financeiro.