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A Tribuna - Raquel Morais (07/10/2021)

Osso duro de roer: crise aumenta consumo de subprodutos em Niterói

“Está tudo absurdamente caro”, afirma consumidor indignado com alta de preços

O aumento da inflação, somado a crise financeira e consequente retração econômica, mudam o hábito dos brasileiros. O primeiro reflexo disso se dá na alimentação. Novos hábitos alimentares e a busca por subprodutos – antes doados por açougues e abatedouros e agora comercializados – fazem parte do que chamam de “novo normal”, diante do aumento da procura por esses alimentos por conta da lei mais famosa do capitalismo: a da oferta e procura.

Pés, pescoços e dorso de frango; e carcaças e ossos bovinos, estão sendo comercializados com preços cada vez mais altos. Especialistas explicam a nova tendência, e niteroienses contam como driblam a alta nos preços.

O economista e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), Gilberto Braga, explicou que o avanço da inflação nos alimentos tem um efeito cascata nos hábitos dos consumidores, que tem na carne bovina o início da cadeia alimentar. “A carne bovina está tão cara, que puxou os preços dos itens substitutivos, como o frango, o pescado e até os ovos. Estes produtos tiveram aumentos de preços à medida que a demanda aumentou, com os consumidores que deixaram de comprar carne bovina”, frisou.

O gerente de um mercado no Centro de Niterói, Maurício Santos, disse que durante a pandemia percebeu o aumento de 50% na venda dessas carnes, que não eram tão valorizadas. A técnica em enfermagem Solange Lino, de 66 anos, tem o hábito de comprar pescoço de galinha para fazer canja. A niteroiense explicou que sempre ganhou no abatedouro e nunca precisou comprar esse alimento. “Eu acho que cobrar R$ 7 pelo quilo do pescoço, do pé é muito caro. É muito desproporcional”, contou. O aposentado Luis Vilasboas, 70 anhos, se interessou pelo pé de galinha, que sempre foi doado pelos abatedouros de frango. “Eu acho que tudo no mercado está absurdamente caro, e o pé de galinha era algo que não deveria ser cobrado de maneira nenhuma”, pontuou.

O especialista frisou que esse é um efeito dominó, que empurra as pessoas de baixa renda a buscarem subprodutos que não tinham até então relevância nos hábitos alimentares. “Trata-se de uma forma da população pobre buscar algum resquício de proteína alimentar, tentando manter de alguma forma um padrão alimentar mínimo. O fato remete, de alguma forma, ao surgimento da feijoada na culinária brasileira, que foi inventada pelos escravos a partir das carnes que eram descartadas na cozinha da Casa Grande e que era utilizada na senzala”, ponderou.

No Centro de Niterói, na manhã de ontem (6), o pé de galinha estava sendo vendido por R$ 6,98, o dorso de galinha, que é a carcaça de osso com pelanca, também era vendido por R$ 4,98, por exemplo. O diarista Henrique Tavares, 55 anos, comprou quase um quilo de dorso para fritar e comer. “Eu faço frito porque fica crocante. Eu gosto e na verdade sempre ganhei, mas agora preciso comprar. Acho que temos que denunciar esse absurdo que estão os preços das proteínas. Já cheguei a pagar R$ 10 no quilo do dorso. Isso é muito triste”, lembrou.

Três associações foram questionadas sobre a mudança desse consumo, comercialização e o que é feito com o descarte de alimentos como carcaças de bovinos. A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) não se manifestaram sobre os assuntos até o fechamento dessa edição.