Na Rua Bérgamo, em Triagem, uma barricada é a marca visível de que o lugar está dominado pela principal facção do tráfico de drogas do Rio. Para chegar até o local que abrigou uma das cinco garagens e foi sede da Companhia de Transportes Coletivos do estado (CTC), é preciso se arriscar dentro de um território que foi tomado pelo crime. A permissão, sempre com limites bem estabelecidos, será dada por um olheiro do comércio de drogas da comunidade. Repórteres do GLOBO precisaram dessa autorização para mostrar a realidade das muitas empresas públicas do estado que estão abandonadas, não geram receita ou benefícios para a população e ainda dão prejuízo para o erário.
Vocês podem ir até o portão azul (entrada da antiga CTC). A partir dali, não avisa o homem, sentado numa cadeira de plástico, enquanto um outro circulava por perto, com uma pistola à mostra na cintura.
Conforme relatório da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), feito a pedido do jornal, além da CTC, há mais sete empresas públicas e sociedades de economia mista do estado em liquidação. Com exceção da Companhia Fluminense de Securitização (CFSEC), em que o processo começou em dezembro de 2018, as demais se arrastam em processos de encerramento das atividades desde 1996.
Juntas, as oito empresas somam em ações trabalhistas e cíveis e dívidas fiscais R$ 6,3 bilhões, segundo a Seplag. Em imóveis, têm R$ 38,2 milhões, boa parte indisponível para a venda. Dos seis imóveis que ainda contam como patrimônio da CTC, por exemplo, apenas um, no Alto da Boa Vista, pode ser negociado.
Essas empresas ainda contam com 15 funcionários e uma folha anual de R$ 1,22 milhão. Criada em 1962 e incluída no Programa Estadual de Desestatização há 25 anos, a CTC aguarda pela sua extinção, enquanto seu patrimônio vai se deteriorando. Em Triagem, um galpão e um prédio fantasma que pertenceram à companhia estão cercados por duas comunidades e um conjunto habitacional dominados por bandidos. Parte do terreno foi trocado por um lote na Rocinha para construção de habitações, e o restante se perdeu.
Da lista das empresas em liquidação, que o economista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.b Consultoria, chama de mortas-vivas, constam ainda a Companhia Fluminense de Trens Urbanos (Flumitrens); a Centrais Elétricas Fluminenses (Celf); a Companhia do Metropolitano (Metrô); o Banco de Desenvolvimento do Estado (BD Rio), a Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (Diverj); e a Ciferal. CTC, Flumitrens e Metrô são consideradas totalmente dependentes de recursos do Tesouro para o seu custeio.
Nesse processo demorado, vai se perdendo patrimônio público. Além disso, num estado com a situação fiscal frágil como a do Rio, é preciso arrumar as contas, tornar o estado atraente para atrair investidores. A solução passa por limpar os passivos e enterrar as mortas-vivas. Caso contrário, a saída é terceirizar esse serviço de liquidação à iniciativa privada diz Frischtak.
Sem silos e armazéns
A encarroçadora Ciferal o BD Rio detém 93,58% das suas ações tem seu único imóvel indisponível. E o BD Rio, dos 11 imóveis, apenas dois estão aptos a serem negociados. Já a Diverj, com dívidas de quase R$ 6 bilhões, tem quatro salas habilitadas à venda.
Mas os problemas se espraiam por empresas (públicas e sociedades de economia mista) ativas do estado. A Companhia de Armazéns e Silos do estado (Caserj), por exemplo, já não tem silos; tampouco armazéns. O endereço dela, no portal do governo, é uma sala no prédio da Ceasa, em Irajá. Ela ainda mantém 58 servidores e uma folha salarial de R$ 166 mil por mês.
O estado tem 14 empresas ativas. Entre ela, a Riotrilhos e a Central, filhotes da Metrô e da Flumitrens, criadas a despeito de os serviços terem sido privatizados (à exceção do Bondinho de Santa Teresa, com processo ainda em curso), e de existir uma Secretaria de Transportes, encarregada de supervisão e planejamento, e uma agência de regulação (Agetransp). A Riotrilhos tem 370 empregados, de acordo com o Caderno de Recursos Humanos da Secretaria da Casa Civil. A Central não consta do documento, e a Secretaria de Transporte, à qual ela é vinculada, não forneceu as informações pedidas. Seu último balanço, de 2019, revela prejuízo acumulado de mais de R$ 789 milhões.
Mesmo entre as ativas, o secretário de Fazenda, Nelson Rocha, não vislumbra uma que possa ser concedida ou privatizada:
A Cedae era a única com potencial de venda. Muitas dessas empresas estão administrando passivos.
Professor do Ibmec, o economista Gilberto Braga enumera as desvantagens de se manter esqueletos:
São custos administrativos para que essas estruturas jurídicas sobrevivam, o que automaticamente impõe alocação de pessoal e manutenção de espaço físico e despesas. Sem acervo patrimonial, resta o custo da burocracia.
O Rio está fazendo um dever de casa com atraso. O primeiro ajuste previa uma politica contínua de revisão e enxugamento. Empresas deveriam ser extintas, concedidas e privatizadas. Enquanto uma está aberta, ela gera obrigações fiscais e custo. Mesmo se a empresa em liquidação não tem funcionários, ela tem um liquidante e um conselho.