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Jornal Extra - Letycia Cardoso (30/12/2020)

O seu aluguel está muito caro? Veja dicas para renegociar

Especialistas dizem que reajuste em 23% está fora da realidade orçamentária de muitas famílias

A alta do Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), usado como parâmetro para reajuste do preço dos aluguéis, está dando dor de cabeça para muitos inquilinos e proprietários. Isso porque a variação calculada no ano foi de 23,14%, maior avanço desde 2002 — quando fechou em 25,31% — e bem acima de outras métricas inflacionárias, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que em novembro registrou 4,31% no acumulado de 12 meses.

Especialistas e profissionais do mercado imobiliário dizem que a palavra-chave é negociar. Reajustar os valores em quase um quarto está fora da realidade orçamentária de muitas famílias, ainda mais num ano marcado pela recessão provocada pela pandemia.

— Todo índice pode ter algum tipo de distorção, e se for aplicado a ferro e fogo pode gerar atritos na relação — diz Claudio Hermolin, CEO da Brasil Brokers e presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ). — Num ano em que a pandemia tirou o emprego de muita gente, com inflação na casa dos 4%, aplicar 23% numa renovação de contrato é praticamente pedir para o inquilino sair.

Foi o que aconteceu com o publicitário Bruno Pinaud. Ele morava num apartamento em Botafogo há um ano e, no fim de novembro, recebeu uma carta da imobiliária informando reajuste de 21,3%. Sua esposa, então grávida de oito meses, tentou abrir o diálogo com uma carta, e a resposta veio com o valor da multa de rescisão.

— A gente tinha duas opções: ficar onde a gente adorava, mas com um peso adicional considerável no orçamento, ou procurava o que dava para alugar com a grana que a gente pagava — conta Pinaud. — Saímos de Botafogo e estamos em uma cobertura duplex em Ipanema.

Segundo Solange Portela de Andrade, diretora da JB Andrade Imóveis, casos como o do publicitário não são a regra. Com o IGP-M nas alturas, e a crise provocada pelo coronavírus, os proprietários estão mais abertos e solidários aos pedidos dos locatários.

— Vale lembrar que imóvel vazio é sinônimo de despesa para o proprietário. Por isso, é importante encontrar uma solução que seja boa para todos — recomenda Solange.

Proprietário de dez imóveis alugados, o administrador Marcelo Marins se antecipou aos pedidos de negociação e aplicou, de forma espontânea, um desconto de 20% no valor dos aluguéis de maio deste ano até março de 2021. E não pretende reajustar os contratos nas renovações.

— O meu receio era que os inquilinos nem tentassem uma negociação e saíssem para morar em outros imóveis mais baratos. Além de não receber, eu teria que arcar com as despesas dos condomínios — analisa Marins. — No meu imóvel do Flamengo, por exemplo, eu cobrava R$ 1.300 e passei a cobrar R$ 1.040. Essa redução já ajuda a pessoa a quitar outras despesas nesse momento.

Do lado dos locatários, negociar um valor razoável para o aluguel evita a dor de cabeça, e os custos, de uma mudança. Foi esse o caminho escolhido por Ruben Fernandez, morador do Jardim Oceânico.

Dono de uma cafeteria em um shopping, teve que manter as portas fechadas por meses por causa da pandemia e, mesmo antes da disparada do IGP-M, procurou a corretora para negociar o valor do aluguel.

— Para evitar ter que procurar um outro lugar para morar, preferi negociar — conta o empresário, que conseguiu desconto de R$ 1 mil, válido por um ano. Em abril de 2021, o valor do aluguel volta ao que era antes, com reajuste de 5%, bem abaixo do IGP-M.

Para o Presidente da Estasa Administradora, Luiz Barreto, não faltam argumentos para o inquilino tentar a renegociação do imóvel:

— É difícil neste momento conseguir novo inquilino, então os acertos variam mais. Os proprietários sempre vão tentar aplicar o aumento, até porque a maior parte dos aluguéis foi reduzida muito nos últimos anos. Mas um acordo de reajuste no patamar do IPCA, em torno de 4%, está muito comum no residencial. No comercial é um pouco mais difícil porque muitos outros fatores importam, como contratos mais longos, dificuldade em mudar o negócio de lugar.

O professor de economia do Ibmec RJ, Gilberto Braga, defende que o índice de 23% não reflete a realidade econômica do país e que a sua aplicação nos aluguéis pode levar a uma desocupação generalizada dos imóveis.

— Embora o IGP-M seja contratualmente um indexador, não há na economia um aumento na inflação dessa proporção para fazer com que os trabalhadores, que não tiveram tal incremento nas rendas, possam suportar tamanho reajuste. Se todo o mercado praticar 23% no aluguel, isso vai causar crise no setor — analisa o economista: — A maioria das pessoas sofreu perda salarial, com redução de renda ou ficando desempregadas na pandemia. Não houve crescimento econômico.

Braga ainda afirma que há uma forte discussão que questiona se os indicadores refletem a realidade:

— Um dos mais criticados é o IGP-M, porque, na verdade, ele é uma média dos preços praticados na economia para uma determinada faixa de renda. Faz esse mapa através de uma coleta de uma série de itens que deixaram de ser importantes por causa da pandemia... considerando determinados itens como vestuário, por exemplo, já que as pessoas compraram menos roupa porque ficaram mais em casa. Então, é preciso que esses indicadores sejam revistos!


Veja como renegociar seu aluguel:

Seja sincero:

Faça as contas do quanto você ganha e, antes de ficar inadimplente, tente um acordo com o proprietário do imóvel. A sua boa vontade em honrar os pagamentos pode fazê-lo oferecer um desconto bom para ambos.


Diga o impacto que a pandemia provocou na sua renda

Conte ao dono do imóvel a sua situação financeira, se ficou desempregado ou teve redução de renda, para que ele entenda o quanto você pode pagar. Se não for possível uma redução, peça um abatimento momentâneo para reembolsar no futuro.


Argumente usando a inflação

O reajuste no preço do aluguel tem que ser compatível com a realidade. Dessa forma, sugira utilizar o IPCA como referência para calcular o reajuste.


Pergunte se há outro locatário em vista

Lembre ao dono do apartamento que, ao sair do imóvel, ele é quem terá que arcar com despesas do condomínio. Um desconto por um período pode poupar uma despesa maior futura.


Se não der certo...

Caso o inquilino se recuse a pagar o valor proposto pelo proprietário, ele deve pedir a rescisão do contrato, com o pagamento de multa.

Os valores são definidos em contrato. A prática do mercado é fixá-la em três vezes o valor do aluguel, com cobrança proporcional ao tempo que falta para o encerramento do contrato. Também é praxe estipular isenção após o 12º mês.


O proprietário pode exigir a desocupação do imóvel?

O contrato oferece certa proteção ao inquilino, mas em caso de descumprimento, como o não pagamento do aluguel, o proprietário pode abrir uma ação de despejo, que dá prazo de 15 ou 30 dias para a desocupação do imóvel. A Lei de Regime Jurídico Emergencial para o período da pandemia suspendeu a concessão de ordens liminares de despejo temporariamente, mas o prazo se encerrou em 30 de outubro.