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Revista Lide - (14/08/2020)

Pandemia coloca em xeque os principais métodos de administração e traz ensinamentos sobre gestão

Segundo o professor da Fundação Dom Cabral e do IBMEC, Gilberto Braga, vivemos um momento de ruptura com métodos arcaicos de administração

Para diversos segmentos empresariais, o momento atual é um divisor de águas, em que estratégias e técnicas de gestão estão sendo – e continuarão a ser - revisadas e reinventadas, assim como a gestão de riscos, assegura o economista, contador e professor da Fundação Cabral e do IBMEC, Gilberto Braga. “Há uma ruptura com métodos arcaicos de administração e com boa parte de tudo o que se conhecia como funcional e atual, que envelheceram de forma abrupta. Os investimentos, de uma forma geral, tendem a não ser mais orientados somente pelos resultados de curto prazo, ou isso terá um peso bem menor. Como e onde o investimento está sendo feito passarão a ter uma importância relevante. O quanto é sustentável o ativo, o produto e a corporação em que o recurso está sendo alocado será uma exigência da sociedade como um novo parâmetro obrigatório”.

O professor acrescenta que, quando imersos em uma crise mundial como essa, é preciso ter não apenas gestores treinados e preparados, mas modelos de gestão para atuar como um comitê de guerra, com informações desencontradas chegando a todo momento e tendo que filtrar o que de fato é relevante e tomar decisões rápidas. Logo, torna-se evidente quão fundamental é a implantação de uma gestão de riscos financeiros nas empresas públicas e privadas.

“São classificados os riscos de acordo com os critérios internos de importância, os parâmetros decisórios, as medidas para lidar com mesmos, os controles de monitoramento e as ações a serem tomadas quando há alguma ocorrência. Pode-se dizer que tomada de decisão tende a ser fundamentada, uma vez que o processo de gestão de risco assegura que o que está sendo decidido passou por crivo antecedente, que permite aos que têm a função de bater o martelo o façam, munidos de todos os elementos necessários para tal”, esclarece.

Articulação

A Chilli Beans, por exemplo, pratica uma metodologia própria de gestão financeira há muitos anos. Com a expansão acelerada dos negócios, a empresa foi motivada a ter uma melhor visibilidade de riscos, planejar contingências e identificar mitigantes. E os resultados, segundo Caito Maia, CEO da companhia, foram surpreendentes. “Além de gerar fôlego e identificar arestas, a pauta e agenda da gestão da empresa se tornaram ainda mais sofisticadas, oferecendo dados que apoiam as tomadas de decisão. Os riscos passaram a ser discutidos com antecedência suficiente para permitir ‘correções de rota’ e facilitar o planejamento das áreas”, pontua.

Ele conta que a pandemia exigiu a priorização da liquidez do caixa de curto prazo, mas, que, com a dinâmica de atuação da gestão de riscos financeiros, conseguiram responder imediatamente aos danos que seriam causados. “Levando em consideração a falta de informação nos momentos iniciais desse processo, cada hora que se passava era fatal. Mas posso dizer que em uma semana fomos capazes de refazer o plano anual. Desde então, obviamente, já fizemos algumas revisões pois o cenário tem se alterado de uma maneira muito veloz, porém estamos mantendo os nossos objetivos”, afirma.

A empresa trabalha em diferentes frentes tidas como cruciais neste momento. Uma delas, segundo Maia, são as pesquisas que geram diagnósticos e projeções, assim como as negociações com fornecedores da China, obtendo descontos e prazos de pagamento para trazer fôlego para a empresa. “Além da nossa lição de casa em enxugar muitos gastos para termos segurança e tranquilidade, também temos a oportunidade de mudança do mix de marketing e de atuar mais próximos dos franqueados, com reuniões semanais para construção de uma retomada consciente e manutenção da saúde financeira deles. A tendência que seguimos neste momento da gestão de riscos é uma articulação precisa com todas as áreas da empresa a fim de minimizar prejuízos e potencializar a saúde financeira da companhia”, garante.

Vulnerabilidade

Eduardo Vaz, sócio de Advisory da HLB Brasil enfatiza que na maioria dos casos em que as empresas não possuem uma gestão de riscos financeiros adequada, ficam expostas à má gestão de fluxo de caixa, e ao retorno abaixo do esperado em investimentos e outras transações.

Segundo o especialista, os exemplos mais comuns de riscos são falta de administração financeira apropriada, o alto nível de endividamento, a exposição cambial, o pagamento de juros elevados, o baixo retorno das operações e investimentos e baixa qualidade, ou falta de informações para tomada de decisões. “Uma boa gestão dos riscos financeiros minimiza a chance de perdas a longo prazo, torna o negócio mais rentável e lucrativo, facilita o gerenciamento dos recursos e aumenta a chance de retorno do investimento. A implementação de ferramentas de gerenciamento de risco financeiro possibilita a rápida detecção de problemas, agiliza o processo de tomada de decisão, corrigindo a rota, para evitar perdas e prejuízos”, orienta.

No entanto, o processo de implantação da gestão de riscos financeiros é complexo, sobretudo em meio à crise, alerta. “Eu diria que na ausência total de gerenciamento financeiro, o mais acertado é a implementação de ferramentas de controle financeiro mais simples, porém eficazes. As boas práticas de gestão de riscos financeiros elencam alguns procedimentos que facilitam a implementação de processos, tais como diagnóstico dos riscos, foco nos riscos mais relevantes, reconhecer a situação e eventos, priorizar e planejar as ações, executar os planos e manter o monitoramento”, recomenda Vaz.

Para mensurar os resultados, o executivo da HLB Brasil destaca o uso três ferramentas: “*What if*, que consiste na formulação de perguntas ‘e se’, na tradução livre. E, se o cliente não pagar?, E se atrasarmos esse pagamento?, abrangendo a situação de uma maneira mais ampla e simples; FMEA - *Failure Mode and Effect Analysis*, essa metodologia tem como base identificar, categorizar e tenta eliminar as falhas nos processos ou projetos antes de eles ocasionarem efeitos negativos, elencando três fatores: ocorrência da falha, severidade de sua consequência e detecção; e por fim temos a APR - Análise Preliminar de Riscos, que identifica riscos de uma operação ainda em fase de implantação. Basicamente consiste em uma tabela cuja primeira coluna deve conter a descrição dos riscos, a segunda destacar as potenciais causas, a terceira as prováveis consequências e a quarta a categoria da ameaça”, explica e complementa.

Indicadores emergenciais

A partir da implantação da gestão de riscos financeiros, há mais de cinco anos, a Tarjab Construtora e Incorporadora garante que passou a ter melhor visibilidade dos impactos econômicos em vários cenários, além de ter conseguido atuar ativamente para tratá-los de forma adequada, assegura Vladimir Alves da Silva, diretor financeiro da companhia. “No começo da mobilização criamos um *dashboard* chamado de “Indicadores Emergenciais” e passamos a acompanhá-los semanalmente para mensuração dos impactos em alguns dos indicadores chave, como por exemplo, inadimplência, carteira de recebíveis e distrato. Outro aspecto que norteou as nossas decisões foi reforçar a liquidez de caixa trazendo maior conforto em um cenário mais adverso”, diz.

De acordo com o diretor, a gestão possibilitou à companhia manter sua política de aprovação de crédito para as vendas de unidades, que segue um padrão de aprovação que reduz uma eventual desistência de cliente. “A pulverização de instituições que interagem conosco para aprovação de crédito de operações financeiras é outro fator a ser apontado. Construímos uma ferramenta com o objetivo de sistematicamente realizar um *forecast*, com isso, mensuramos o fluxo de caixa e resultados futuros em diversos cenários. Isso nos possibilita ter uma atuação pró-ativa no direcionamento das ações a serem tomadas”, salienta.

Entre os ensinamentos que a pandemia trouxe, Silva aponta a quebra de paradigmas. De acordo com ele, a produtividade administrativa conseguiu manter-se em nível elevado mesmo com o escritório 100% em home-office. “Acreditamos que as dificuldades hoje enfrentadas, também trazem uma geração de oportunidades que acabam por repensar em ajustes no negócio em busca de maior produtividade. Este novo formato, de interação virtual, nos ensinou que há oportunidades até de melhorar a eficiência em muitos processos da nossa rotina. Nos possibilitou, também, a seguir atentos às novas necessidades dos consumidores que surgiram neste período, o que nos permite criar produtos que atendam essas demandas”, comemora o executivo.