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A Gazeta - Beatriz Seixas (17/08/2018)

Concessões atropeladas pela própria União

Condução de projetos a toque de caixa podem representar risco para o país

O presidente Michel Temer não esconde que quer finalizar o seu mandato sendo reconhecido como um gestor reformista e que foi responsável por conceder à iniciativa privada projetos ligados à infraestrutura, capazes de abrir caminhos para o desenvolvimento do país. A questão é como ele vem conduzindo esse processo, especialmente o das concessões.

Nos últimos meses, a sensação de quem acompanha, e inclusive de quem aguarda há anos pelo destravamento dos gargalos logísticos do Brasil, é de que muitas das ações adotadas pela sua equipe estão acontecendo a toque de caixa e com o mero objetivo de fazer caixa para o deficitário orçamento da União.

O problema é que não dá para ser simplista quando se trata de construir estradas, reformar aeroportos, ampliar ferrovias ou vender distribuidoras de energia que estão no vermelho, por mais urgentes que sejam essas demandas. 

Transferir para a iniciativa privada o que o governo federal reiteradamente não consegue dar conta –seja pela falta de recursos, seja pela falta de capacidade – é hoje a opção mais viável e eficaz diante da encalhada situação da infraestrutura nacional, mas isso tem que acontecer de forma planejada e estruturada. 

Exemplos recentes, entretanto, reforçam que há um atropelo nas decisões ligadas às privatizações, o que coloca em risco a viabilidade delas de saírem do papel. Nesta semana mesmo, o governo decidiu reduzir em mais da metade o valor do lance mínimo do próximo leilão de 13 aeroportos controlados pela Infraero, o que impactou também o pacote do qual o terminal de Vitória faz parte. Nesse caso, o lance mínimo total para o Bloco Sudeste (que além do aeroporto capixaba inclui o de Macaé) caiu de R$ 622,8 milhões para R$ 307 milhões, uma redução de 50,7%. 

Tudo bem que revisões, análises e atualizações são naturais ao longo dos processos de concessão. Mas é no mínimo curioso haver uma desvalorização tão forte de uma hora para outra em todos os aeroportos. Das duas uma: ou houve um blefe de quem fez a avaliação inicial, ou a União partiu para o tudo ou nada para atrair o interesse de mais empresas na compra dos terminais e para garantir que todos os pacotes sejam vendidos ainda sob a gestão Temer. 

A redução dos preços pode até surtir um efeito de curto prazo interessante, mas no médio e longo, lacunas como essa podem travar os projetos, por exemplo, com intervenções e questionamentos do Tribunal de Contas da União ou do Ministério Publico Federal. Aliás, não é preciso ir muito longe. A falta de concordância entre as esferas federal e estadual, até pela baixa transparência, já fez com que o governo capixaba judicializasse concessões de aeroporto e ferrovia no Espírito Santo, indicando que por um bom tempo esses modais vão ficar amarrados a questões legais. 

Esse cenário é visto pelo professor de finanças do Ibmec-RJ Gilberto Braga como prejudicial para o desenvolvimento do país. Ele cita que enquanto esses processos não forem claros, juridicamente perfeitos e economicamente viáveis, eles irão permanecer empacados. 

Para os próximos meses, ele não tem otimismo que o governo alcance suas metas. Além dos problemas estruturais dos projetos, Braga pondera que as condições políticas não são favoráveis. “Nunca a tão pouco tempo das eleições vimos tamanha indefinição. Isso faz com que haja um natural desencorajamento da iniciativa privada de fazer investimento de longo prazo num ambiente que não oferece segurança jurídica.” 

Faltam só quatro meses para Temer transferir a faixa, e dificilmente ele passará para o próximo presidente essas concessões finalizadas. Mas se o emedebista não atrapalhar, já será um bom começo.