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O Globo - Carina Bacelar (10/06/2018)

Com alta do petróleo, estado tem aumento na arrecadação e alívio no déficit da Previdência

Royalties e participações especiais cresceram 51%. Especialistas alertam que ajuste fiscal ainda é necessário

Os royalties e as participações especiais sobre a produção do petróleo voltaram a engordar a arrecadação do estado. Com uma trajetória de queda iniciada em meados de 2014, o preço do barril chegou ao fundo do poço no começo de 2016, arrasando o caixa do governo. A partir do segundo semestre do ano passado, bons ventos começaram a soprar. Agora, dados da Secretaria estadual de Fazenda, solicitados pelo GLOBO, trazem à tona um alento para as combalidas finanças públicas: os recursos provenientes da exploração do petróleo, recebidos de janeiro a maio deste ano pelo Estado do Rio, aumentaram 51% em relação ao mesmo período de 2017, chegando a R$ 5,18 bilhões. Para especialistas, além da valorização do barril no mercado mundial, a alta do dólar e o incremento da produção da Petrobras contribuíram para a retomada. No entanto, eles também alertam que, pelo fato de o petróleo ser uma commodity sujeita a grandes oscilações de preço, o cenário pode novamente mudar. Por isso, fazer ajustes fiscais continua sendo o principal dever de casa do governo.

A maior parte desses recursos vai para o Rioprevidência, que tem um déficit previsto de R$ 10,3 bilhões para este ano. Com a alta do petróleo, o governo vai precisar tirar menos dinheiro do cofre para cobrir o pagamento de aposentadorias e pensões, mas a conta ainda não foi fechada. Desde 2015, o Tesouro arca com os prejuízos do fundo de previdência. Otimista, o governador Luiz Fernando Pezão acha que o buraco deste ano pode ficar na casa dos R$ 3 bilhões:

— Acho que, com as medidas que estamos tomando, podemos ter de R$ 3 bilhões a R$ 5 bilhões (de déficit previdenciário) este ano, depende. Se o país crescer, podemos surpreender. E, para 2020, quando estava previsto R$ 5 bilhões (de rombo), acho que pode ser zerado — afirma o governador.


DÉFICIT ESTÁ SENDO RECALCULADO

A gestão do Rioprevidência, por sua vez, evita antecipar de quanto será essa diminuição do rombo. Em nota, informou que, com o aumento do repasse de royalties, “está recalculando a sua receita anual, o que ocasionará uma redução desse déficit”. Nesses valores recebidos pelo estado, não estão incluídos os R$ 2 bilhões da operação financeira de antecipação de royalties realizada em abril. Parte do dinheiro já foi usada para quitar o 13º salário de 2017 de aposentados e pensionistas, que até então estava atrasado. Mas os problemas do governo vão além do fundo previdenciário. A Lei Orçamentária Anual de 2018 prevê um déficit de R$ 10 bilhões nas contas do estado.

Numa tentativa de reduzir a dependência do Rioprevidência em relação ao dinheiro do petróleo, o estado aprovou, no ano passado, o aumento da contribuição previdenciária de seus servidores (de 11% para 14%). Era uma das condições para o Rio ingressar no Regime de Recuperação Fiscal, plano de socorro do governo federal. Na Assembleia Legislativa, tramitam outras propostas no mesmo sentido. O deputado Luiz Paulo (PSDB), por exemplo, apresentou um projeto para engordar o fundo previdenciário com recursos do Imposto de Renda pago pelos servidores, que hoje ficam no Tesouro fluminense.

— Mesmo com a crescente receita de royalties, sempre haverá um buraco no fundo — ressalta o deputado.

Em 20 de janeiro de 2016, enquanto o Rio comemorava o Dia de São Sebastião, seu santo padroeiro, a economia estava à espera de um milagre: a cotação do barril do petróleo chegava ao seu patamar mais baixo após uma trajetória de queda iniciada em meados de 2014: US$ 27,88. O mês anterior tinha sido marcado por uma crise sem precedentes nos serviços estaduais de saúde, e os funcionários públicos começariam o ano com salários atrasados (pagos só em 12 de janeiro). Nos anos seguintes, o preço do petróleo se recuperou lentamente, mas longe daquele que mantinha as contas do estado no azul. A retomada ganhou fôlego só no fim do ano passado, e, desde novembro, não fica abaixo dos US$ 60. Na última sexta-feira, o barril era cotado a US$ 76.

Segundo especialistas, esse cenário deve se manter a médio prazo.

— A posição dos Estados Unidos em relação ao acordo nuclear do Irã vai manter o mercado aquecido nos próximos anos, enquanto o presidente Donald Trump estiver no poder, embora ele tenha volatilidade. O mercado trabalha com a previsão de US$ 70 a US$ 80, no momento. Isso é o dobro do que chegou há um ano e meio. É uma previsão fantástica em termos de royalties para o Rio — analisa o professor de Finanças do Ibmec-RJ Gilberto Braga.

O economista ressalta que o aumento da cotação do petróleo tem superado até as projeções feitas no fim do ano passado, com base nas quais foi elaborada a Lei Orçamentária Anual. Braga observa que o aumento da arrecadação derivada do petróleo não significa “solução para os problemas do Rio nem folga fiscal”, mas ele defende que as receitas geradas pela alta da commodity pode estimular a produção industrial de áreas relacionadas:

— O setor de petróleo é muito importante para o Rio. Ter preços com uma perspectiva de manutenção nesta faixa reativa à indústria naval vai reaquecer parte da região produtora em Macaé e acelerar a retomada da obra do Comperj. Para o estado, é uma notícia que vai além dos royalties.

Já Bruno Sobral, especialista em economia fluminense e professor da Uerj, avalia que o estado deverá enfrentar dificuldades porque antecipou receitas de royalties para pagar o 13º salário de servidores. Além de deixar de contar com esses recursos nos próximos anos, se a cotação do produto despencar, o Rio terá que quitar a antecipação em situação desfavorável.

— O estado precisa ter esse cuidado com as operações que está fazendo para conseguir receitas a curto prazo. O royalty continua sendo uma receita temporária flutuante, e todo risco está em cima disso. É uma grande incerteza. O ideal é articular algo que permita ao Rio ter um indicativo de recuperação econômica mais consistente — sugere Sobral.


ARRECADAÇÃO É BOA, MAS NÃO É SUFICIENTE

A elevação bem sustentada do preço do petróleo está criando uma inesperada melhoria nas contas públicas do Rio. Mas essa é uma rota de incidentes internacionais, e não um mérito do estado.

Esse quadro não era esperado. Quando você olha para os dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), eles tinham previsto que o preço do barril ficaria, na melhor das hipóteses, entre US$ 52 e US$ 55, este mês. Já chegou a US$ 80, é realmente algo fora de série.

Qual é a sustentabilidade disso? Se o governo acreditar que essa tendência vai durar, aumentará de novo o conjunto de erros. O déficit público não é compensado por essa alta. É bom que a arrecadação de royalties tenha aumentado, mas não é o suficiente para arcar com o volumoso déficit que o estado tem. Esse recurso desanuvia na margem, mas não representa uma resolução favorável, definitiva, estável.

Sem dúvida, deve haver uma revisão do rombo previdenciário. Mas não é suficiente operar sobre a flutuação e a volatilidade do preço do petróleo. Agora, temos uma lufada de ar nobre, então vamos aproveitar. Mas o que você recebe com uma mão, o destino tira com outra, porque a população envelhece e o número de aposentados aumenta. Sou a favor de manter uma disciplina fiscal e previdenciária, mas também de criarmos condições, agora que a situação parece menos ruim, de facilitar a retomada do setor de petróleo e da cadeia petroquímica. Temos que aproveitar o momento favorável.