Clippings

O Globo - Luiz Ernesto Magalhães (19/04/2018)

Estado do Rio deixa de cumprir metas com a União, e dívidas acumuladas crescem 27,6%

Em meio a uma crise financeira, números de 2017 mostram contas desajustadas

Em meio a uma crise financeira sem precedentes, números do estado de 2017 mostram que os desafios para sair do fundo do poço são grandes. As contas do encerramento do ano passado, encaminhadas ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) e à Assembleia Legislativa, às quais O GLOBO teve acesso, revelam que a Dívida Consolida Líquida (com instituições financeiras públicas e privadas) inchou 27,6% e ultrapassou os R$ 135 bilhões. O montante representa 269,74% da Receita Corrente Líquida (arrecadação com tributos), muito acima do limite legal que é 200%. Em 2016, o endividamento era de R$ 106 bilhões. Para especialistas, o rombo cresceu, o que não chegava a ser inesperado, mas a situação é grave.

Ao mesmo tempo, o ajuste fiscal firmado com a União em 2017 não avança dentro do prognóstico. De acordo com relatório de fevereiro do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal, das 20 metas fiscais acordadas com o governo federal, 13 obtiveram resultados abaixo do previsto e sete ainda não foram atendidas, ou seja, estão atrasadas. As medidas previstas podem render ao estado R$ 8 bilhões até 2030. Estão fora do prazo o aumento da alíquota da contribuição previdenciária (que representa uma receita extra de R$ 1,9 bilhão até 2020), a reestruturação administrativa do estado (economia de R$ 610 milhões no mesmo período), a antecipação da concessão da CEG e da CEG-Rio (R$ 800 milhões), a concessão de linhas de ônibus (R$ 776 milhões), a securitização da dívida (R$ 605 milhões), a alienação de imóveis (R$ 300 milhões) e a antecipação de royalties do petróleo (R$ 3 bilhões), que teve uma decisão favorável ontem na Justiça.


EMPRÉSTIMO DE R$ 2, 9 BILHÕES

Desde que o estado assumiu as condições do Regime de Recuperação Fiscal, o único empréstimo autorizado, no fim do ano passado, foi um de R$ 2,9 bilhões com o Banco BNP Paribas, que tem como contragarantia ações da Cedae.

Para o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da Comissão de Tributação e de Controle da Arrecadação Estadual da Alerj, o quadro é preocupante e pode comprometer a capacidade de o governo estadual cumprir as metas fiscais.

— A dívida aumentou muito. Isso porque o governo não está fazendo amortizações e os juros estão crescendo — diz ele. — O governo terá muita dificuldade para conseguir atender ao programa de recuperação.

Alguns especialistas já trabalham com a probabilidade de o acordo com a União ser prorrogado por mais três anos, algo que já era considerado no início das negociações. Até porque novos empréstimos estão a caminho e vão engordar ainda mais as dívidas. Com o respaldo da União, a Alerj aprovou este ano empréstimos de R$ 250 milhões para a modernização da Secretaria estadual de Fazenda e de R$ 200 milhões para um programa de demissão voluntária. Outro pedido de R$ 3,050 milhões em financiamento, destinado à quitação de débitos com fornecedores, ainda depende de aval do Legislativo. Esse projeto chegou a ser colocado em pauta três vezes, mas não foi votado por falta de quórum.

O documento encaminhado ao TCE e à Alerj também mostra o quanto o caminho para zerar as contas será tortuoso. Além dos empréstimos, o estado tem um volume crescente de débitos com fornecedores e pessoal: passou de R$ 10,7 bilhões, em 2016, para R$ 15,9 bilhões, em 2017.

O economista Gilberto Braga avaliou que os dados mostram o tamanho do problema que o próximo governador terá para manter as contas públicas equilibradas. Ele lembrou que o pacto com o Tesouro Nacional permitiu ao estado suspender o pagamento de dívidas com a União por três anos, que podem ser prorrogados. Porém, os juros do período continuarão a ser computados, pressionando o endividamento.

— O grande problema é que o estado não desenvolveu um plano efetivo para a recuperação das contas públicas. Há uma questão estrutural que não foi atacada e que terá de ser enfrentada pelo próximo governador. A prioridade até agora foi colocar salários em dia. A aposta do estado é que a receita do ICMS vai voltar a crescer com a recuperação econômica bem como a receita dos royalties do petróleo. Mas e se esse cenário não se confirmar? — ressaltou Braga.

Com a ressalva de que não estudou em profundidade os números do estado, o economista Raul Velloso diz que vários fatores podem explicar a alta da dívida. Além dos juros, observou, o montante pode ter crescido com o saldo de contratos de empréstimos contraídos em anos anteriores. Ele observou que o acordo de recuperação fiscal pode ter dado um fôlego para as finanças fluminense, mas os dados mostram a necessidade de as metas serem fielmente cumpridas.

— O Estado do Rio tem que encontrar uma forma de equacionar seu déficit previdenciário, por exemplo. Mas há casos que dependem de legislação federal. Uma das fontes para melhorar as contas públicas seria a securitização da Dívida Ativa. Mas esse processo requer regulamentação em lei que ainda se encontra em discussão no Congresso — disse Velloso.

Gilberto Braga não acredita que o aumento do percentual de endividamento comprometa o Plano de Recuperação Fiscal. Mas será um desafio para o próximo governo manter o equilíbrio do caixa:

— O acordo já foi desenhado com a perspectiva de que haveria uma elevação do endividamento. Nesse momento, por conta da suspensão do pagamento dos empréstimos, não é um problema. Mas será um desafio que o futuro governador terá que enfrentar justamente no meio do mandato.


AUMENTO CONTINUA ESTE ANO

Nos dois primeiros meses deste ano, a dívida voltou a aumentar. Segundo dados da Secretaria estadual de Fazenda, ela cresceu R$ 85 milhões até fevereiro. A Fazenda esclareceu que, mesmo com a adesão ao plano, terá que honrar empréstimos relativos a débitos que não entraram no acordo. Os montantes chegam a R$ 930,9 milhões este ano e a R$ 498,8 milhões em 2019. Em relação à dívida acumulada, R$ 98,5 bilhões se referem a compromissos com a União que vencem em 2039.

Em relação ao crescimento da dívida, a Fazenda informou que dois fatores explicam a questão: a Secretaria do Tesouro Nacional mudou as regras de cálculo do saldo devedor de um contrato de refinanciamento das dívidas do estado com a União, assinado em 1999. Além disso, como pré-condição para aderir ao Plano de Recuperação Fiscal, o estado teve que desistir de ações judiciais contra a União, que questionavam parte dos débitos cobrados.

Enquanto crescem as dívidas com bancos públicos e privados e fornecedores, o estado teve uma derrota na Justiça e poderá ter que devolver 30% das receitas desviadas de quatro fundos: da Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado do Rio (Faperj), de Conservação Ambiental (Fecam), de Habitação de Social (Fehis) e de Administração Fazendária. O Tribunal de Justiça considerou inconstitucional o decreto de 2016 que desvia as receitas desses fundos para outras áreas.