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O Globo - (18/11/2017)

Modais de transporte no estado do rio perderam 50 milhões de viagens entre janeiro setembro

Pode até ser difícil de acreditar, mas há menos passageiros em trens, metrô, nas travessias de barcas e até mesmo dentro dos ônibus que circulam pelo Rio

Para quem costuma andar espremido e disputar quase a tapa um lugar em meios de transporte superlotados, pode até ser difícil de acreditar, mas há menos passageiros em trens, metrô, nas travessias de barcas e até mesmo dentro dos ônibus que circulam pelo Rio. Os três primeiros modais perderam, juntos, cerca de 50 milhões de viagens pagas de janeiro a setembro deste ano, em comparação com o mesmo período de 2016, uma redução de 16,2%. Os ônibus, menos afetados, tiveram uma diminuição de 5% das viagens pagas, de janeiro a agosto de 2017, contra o mesmo período do ano passado. Por trás da queda, dizem especialistas, está a crise econômica, que tem feito cada vez menos cariocas e fluminenses se deslocarem diariamente no trajeto casa-trabalho-casa.

O meio de transporte mais afetado foi o que liga o Rio a Niterói, a Paquetá e à Ilha do Governador. As barcas perderam 19,3% das viagens pagas. Em relatório aos investidores, a Barcas S/A atribuiu a diminuição — de 18,9 milhões para 15,2 milhões — não só à crise econômica no estado, mas também a “melhorias nas vias de acesso ao Centro do Rio de Janeiro, que beneficiaram o deslocamento terrestre”. A concessionária também lembrou que houve um boom de passageiros no ano passado, por conta da Olimpíada, o que pode ter impactado na queda ao longo de 2017.

O metrô, que viu as viagens pagas nas linhas 1 e 2 minguarem de 167,9 milhões para 137,3 milhões (queda de 18,3%), tem feito malabarismos para driblar a crise. Com a Linha 4, aberta ao público em setembro do ano passado, e uma demanda abaixo da expectativa, a concessionária tem realizado ações para atrair passageiros. Em abril, fez a campanha “Quem prova aprova”, com embarque gratuito nas estações do trecho que vai até a Barra. Para “bombar” a Linha 4, também reduziu o valor da integração com o BRT e assinou uma parceria com vans que atendem as comunidades da Rocinha e do Vidigal. Passou ainda a aceitar pagamentos com cartões de crédito e débito.

A SuperVia, responsável por 102 estações em oito ramais distribuídos por 270 quilômetros de malha ferroviária, teve uma queda de 14,3% nas viagens pagas. O diretor de operações da empresa, João Gouveia, não esconde o espanto com a redução, a primeira na história:

— A retração da demanda é muito nova para nós. A SuperVia só teve demanda ascendente, nunca retração. Isso tem sido um aprendizado. Segundo uma consultoria, nós vamos demorar cerca de quatro anos para retomar os números que tínhamos, de mais de 700 mil passageiros por dia.

Segundo ele, uma pesquisa interna da concessionária mostrou uma forte redução no número de viagens custeadas pelo vale-transporte, o que indica que a desemprego que atinge a população no Rio é o principal fator para a queda no número de viagens no sistema.

— Nosso rendimento é atrelado ao PIB e à população ocupada. Tivemos uma queda aproximada de 90% nas viagens pagas com vale-transporte nesse período, ou seja, aquelas custeadas pelo empregador. A nossa queda se deu praticamente pelo desemprego. Esse efeito foi sentido em 2017 porque em 2016, enquanto outra cidades já tinham declínio da atividade econômica, o Rio continuou pujante, gerando emprego até a Olimpíada. No período da competição, por exemplo, batemos o recorde com 735 mil passageiros transportados num só dia (atualmente, são cerca de 600 mil pessoas diariamente) — afirma Gouveia.

O economista Gilberto Braga também enxerga no desemprego a explicação para a perda de passageiros — a taxa no Estado do Rio, no terceiro trimestre deste ano, chegou a 14,5%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período do ano passado, a taxa era de 12,1%.

— O desemprego certamente explica o maior contingente de perda de passageiros. Junto a esse fator, no caso do Rio, há o atraso do pagamento do funcionalismo público, que também pesa bastante. Muitos usuários do sistema de transporte mudaram seus hábitos, optando pelo transporte solidário, por ir a pé. Além disso, muitas repartições passaram a ter jornadas de rodízio de dias para os seus funcionários — diz o professor do Ibmec.

Entre usuários das barcas, por exemplo, as mudanças são perceptíveis. Morador de Niterói, o analista de sistemas Luiz Novaes diz que já não tem mais companhia nas viagens até o Rio:

— Tenho amigos que trabalhavam em diversas empresas com sede no Centro do Rio e que saíram por causa da crise econômica. Outros eram funcionários da Petrobras, foram demitidos e estão desempregados — disse Luiz.

Mesmo quem tem trabalho, ainda que informal, também tem tentado economizar em transporte. O ambulante Carlos Antonio, por exemplo, costumava pegar um ônibus de Copacabana, onde vive, para vender no Largo do Machado as toalhas de mesa que sua mulher fabrica. Ele fazia o trajeto quatro vezes por semana, gastando cerca de R$ 32 de passagem. Agora, com a queda nas vendas, o transporte passou a pesar no orçamento. Sem muita opção, ele passou a fazer a viagem a pé.

— Vi que as despesas com transporte encareciam meu trabalho, então passei a fazer o trajeto de Copacabana até o Largo do Machado andando — conta o vendedor de 61 anos, que viu seus rendimentos caírem de R$ 1 mil para R$ 400. — Como fico muito cansado, agora só consigo ir duas vezes por semana.

O administrador Odilon Vieira, que usa o metrô para ir de Botafogo, onde mora, ao Centro, onde trabalha, diz que conhece muita gente que deixou de usar o transporte. Mas reclama que a sensação de “sardinha em lata” permanece:

— Conheço muitos desempregados e que, por isso, não usam mais o metrô. Mas não parece que tem menos gente. Na hora do rush, continua apertado.

(*) Estagiário sob supervisão de Leila Youssef